O mercado de obrigações “verdes” (green bonds) tem sido um dos segmentos de mercado com maior crescimento nos últimos anos[1]. As green bonds são instrumentos representativos de dívida que, à semelhança das obrigações clássicas, conferem ao seu titular um direito de crédito face à entidade que as emite. Estas constituem empréstimos concedidos por investidores, em regra num determinado montante, obrigando-se o emitente a restituir tal valor no prazo de maturidade e, durante a sua vigência, a pagar juros nos termos convencionados.
A particularidade deste tipo de obrigações face às obrigações clássicas ou comuns, reside no facto de o capital subscrito pelos investidores dever ser aplicado a fins específicos. Desta forma, compromete-se o emitente a utilizar os fundos obtidos em projetos ou ativos relacionados com desenvolvimento sustentável e benefícios de natureza ambiental, incluindo na vertente da mitigação das alterações climáticas.
A ausência de uma definição ou enquadramento legal para as green bonds leva, inevitavelmente, a diferentes abordagens quanto à definição do tipo de projetos a que os emitentes podem recorrer para determinar se as obrigações que se propõe a emitir, são efetivamente qualificáveis como green bonds. Daqui, resulta que são muitas vezes os próprios emitentes a avaliar os instrumentos que emitem e, também são estes a caracterizá-los como green bonds. Por vezes, tal acontece em articulação com potenciais investidores de referência (p. ex., gestores de ativos) que têm requisitos próprios já adotados ou juntamente com assessores especializados na adoção de métricas de sustentabilidade.
A falta de harmonização dos critérios que determinam a configuração e caracterização das green bonds, tem vindo a criar um desafio quanto à integração deste tipo de produtos e do mercado em que se inserem. O resultado é a existência no mesmo mercado de instrumentos caracterizados como green bonds, mas cujo capital não é realmente afeto a projetos ambientalmente sustentáveis.
Harmonização das Green Bonds
Tendo em vista promover a transparência no desenvolvimento das green bonds e a uniformização no processo de emissão destes instrumentos, algumas entidades têm vindo a estabelecer padrões comuns, como por exemplo os “Green Bond Principles” (GBP) adotados por um consórcio de entidades financeiras. O desenvolvimento contínuo destas orientações tornou-se competência de um secretariado independente, organizado pela International Capital Markets Association (ICMA), que as revê periodicamente.
Os GBP consubstanciam assim, orientações voluntárias que recomendam transparência, divulgação e reporte, promovendo maior integridade no desenvolvimento do mercado específico das green bonds, guiando os emitentes na conceção de uma emissão de green bonds, em particular através da definição das principais componentes que a emissão envolve. Por outro lado, também conferem ferramentas adicionais aos investidores através da disponibilização da informação necessária para avaliar o impacto ambiental dos seus investimentos.
De acordo com os GBP, uma emissão é classificada como uma emissão de green bonds apenas se se verificarem os seguintes pressupostos:
- Utilização dos fundos
Um dos pilares fundamentais que caracteriza as green bonds é a utilização do capital subscrito em projetos que devem proporcionar objetivos ambientais claros, que devem ser detalhados pela emitente na documentação relativa à emissão e, sempre que possível, quantificados. De notar que os GBP não definem concretamente o que são projetos ambientais, embora enumere os tipos de projetos que são comummente apoiados no mercado de green bonds, dando lugar a uma autoavaliação pelo emitente sobre a configuração do projeto a que se propõe quanto ao seu impacto ambiental.
A este respeito, é de destacar o grande avanço que ocorreu com a aprovação do Regulamento (UE) 2020/852 do Parlamento Europeu e do Conselho de 18 de junho de 2020, relativo ao estabelecimento de um regime para a promoção do investimento sustentável (Regulamento Taxonomia), que veio estabelecer uma linguagem comum, clara e transparente, com o objetivo de identificar as atividades económicas que poderão ser consideradas sustentáveis. Deste modo, através da implementação de determinados objetivos ambientais, os intervenientes no mercado conseguem uma tomada de decisão mais informada sobre investimentos em atividades ambientalmente sustentáveis.
- Avaliação e seleção do projeto
Em linha com os objetivos de transparência a que se propõe os GBP, o emitente deve incluir na documentação da emissão, informação sobre: (i) os objetivos ambientais que o projeto se propõe atingir; e (ii) informação sobre o procedimento adotado para determinar a elegibilidade dos projetos. Neste âmbito, recomenda-se que, para além da avaliação do projeto pelo próprio emitente, esta avaliação seja levada a cabo também por entidades externas que confirmem que as obrigações a emitir estão em linha com os GBP.
Uma revisão externa potencia a credibilidade da emissão e a confiança dos investidores, sendo possível o seu âmbito variar, nomeadamente na definição do enquadramento da emissão ou nos reportes do emitente, podendo versar sobre um programa de green bonds, uma emissão em concreto ou os ativos e procedimentos subjacentes.
Os GBP agrupam em quatro categorias os tipos de revisão externa, dos quais destacamos em particular, por serem as mais utilizadas no âmbito da emissão destes valores mobiliários, as seguintes: (a) revisão por consultor externo (second party opinion), através da qual uma instituição independente, experiente em matérias de sustentabilidade ambiental e que não tenha intervindo previamente no âmbito da emissão, emite um parecer sobre a natureza do projeto, geralmente à luz dos GBP; e (b) certificação face a padrões externos reconhecidos, que definem critérios específicos, testados por terceiros devidamente acreditados (como a Climate Bonds Initiative (CBI), a Sustainalytics ou a Cicero).
- Gestão do capital subscrito
A terceira orientação diz respeito à gestão do capital obtido pelo emitente com a subscrição das obrigações pelos investidores. Esses montantes devem ser segregados (em subcarteiras) e utilizados nos projetos a que o emitente se propôs, sendo monitorizados e ajustados face às alocações feitas no âmbito desses projetos. É ainda recomendado que o emitente recorra a auditores ou outros terceiros para verificar o controlo e alocação dos fundos.
- Reporte
O último princípio definido pela ICMA diz respeito à informação a divulgar relativamente à utilização do capital da emissão. É proposto que os emitentes produzam relatórios anuais que incluam uma lista dos projetos a que o produto da emissão foi alocado, com uma breve descrição dos projetos e montantes relevantes, bem como referência ao impacto expectável com a alocação dos fundos. Em prol da transparência, os GBP recomendam o uso de indicadores de desempenho qualitativos e, sempre que possível, medidas quantitativas.
Tendências e futuro das green bonds
A falta de uma definição comum ou harmonizada de green bonds pode gerar confusão quanto ao seu conceito e, potenciar a falta de integridade, podendo suscitar riscos reputacionais caso essa integridade seja questionada no mercado por força do incumprimento dos compromissos assumidos pelo emitente. Por outro lado, verifica-se a reduzida margem para a aplicação efetiva de consequências jurídicas, caso os objetivos ambientais e os projetos propostos não sejam atingidos. Tal acontece, uma vez que covenants contratuais sobre a utilização de resultados ou a estipulação de situações de incumprimento nestas circunstâncias não estão ainda incluídos de forma vinculativa na documentação contratual típica.
A este respeito são de destacar algumas tendências mais recentes na emissão de “sustainability-linked bonds”, em que os pagamentos de juros da emissão estão indexados ao cumprimento de determinadas metas de sustentabilidade, como é exemplo a emissão obrigacionista da elétrica italiana Enel no final de 2019 em que o pagamento de juros varia em função do cumprimento de metas quanto à percentagem de energias renováveis no portefólio da empresa.
Estas tendências evidenciam a evolução do mercado no sentido de as green bonds irem além de uma mera designação ou marca, afirmando-se cada vez mais como mecanismos com efeitos financeiros reais e relevantes que são por isso efetivamente suscetíveis de influenciar a atuação dos agentes económicos no sentido de cumprir objetivos ambientais e de sustentabilidade.
[1] A CBI estima que em 2019 a emissão de green bonds atingiu um novo recorde, chegando aos 257,7 mil milhões de dólares, representando um crescimento de 51% face a 2018.