
Rafael Botelho
Gestor de Conhecimento e Formação no BCSD Portugal
São 08h58 e acabo de chegar ao escritório. Coloco a mochila na cadeira, de onde retiro o meu caderno, garrafa de água, computador e rato. Ligo o computador e vou buscar um café. Quando me sento à secretária, já com o computador ligado, dou início ao sistema operativo de inteligência artificial que adquiri recentemente, que se adapta e evolui de acordo com as interações que vamos tendo. Começo a nossa conversa inicial e não dou pelo tempo passar. Olho para o relógio e já são 9h23. Reparo que estou a sorrir com a última mensagem que o Sam enviou – sim, o meu sistema operativo de inteligência artificial (IA) chama-se Sam. Passo para a caixa de entrada do meu e-mail, mas continuo a pensar na conversa que acabei de ter com o Sam. Será que estou a iniciar uma amizade? É possível, sequer?
Se estas linhas lhe parecem familiares é porque, efetivamente, não são assim tão distintas do que se desenrola no filme Her, de 2013, mas que podiam muito bem representar a rotina de alguém em abril de 2025 tendo em conta as notícias sobre relações emocionais profundas entre pessoas e chatbots.
Provavelmente, quando pensamos em inovação pensamos nalguma tecnologia como aquela descrita nos parágrafos anteriores ou, num cenário mais catastrofista, uma IA descontrolada que ameaça a vida humana. A verdade é que a inovação pode ocorrer de forma “tão simples” como a associação entre malas e rodas que resultou nas malas com rodas, que melhorou significativamente o transporte da nossa bagagem durante as viagens.
Um dos ingredientes principais deste prato chamado inovação é a liberdade. Liberdade para questionar, experimentar, imaginar, criar, investir e falhar (e repetir tudo de novo até se “falhar melhor”). No entanto, como podemos concluir por outro dos textos que acompanham esta newsletter, as tensões globais vigentes poderão dificultar este poder de colaboração e a liberdade de ser e agir.
Por outro lado, e para lá desta ideia centrada em tecnologia, a inovação pode ocorrer noutros moldes como novas ideias que atendem às necessidades sociais, criam relações sociais e estabelecem novas formas de colaboração – inovação social. Temos como exemplo a criação do M-Pesa, um sistema de pagamentos através de telemóveis que permitiu que milhões de pessoas que não tinham recursos para ter uma conta bancária tradicional pudessem realizar transações rapidamente e de forma segura. Desta forma vários pequenos negócios puderam crescer e a autonomia económica de várias famílias aumentou. Outro exemplo é o Grameen Danone, que através da produção de iogurtes enriquecidos com nutrientes essenciais visa combater a desnutrição das comunidades mais vulneráveis e promover o desenvolvimento local no Bangladesh. Fazem-no adquirindo as matérias-primas a produtores locais e envolvendo e empoderando as mulheres locais como microempreendedoras na distribuição dos produtos, proporcionando-lhes uma fonte de rendimento estável ao mesmo tempo que reforça o papel das mulheres nas comunidades.
No mês onde celebramos a liberdade dei por mim a pensar em casos como os referidos anteriormente, porque se é verdade que a liberdade é um catalisador para a inovação – já que ambientes onde existe liberdade para experimentação, partilha de ideias e onde se desafia o status quo tendem a promover uma cultura mais inovadora – também é a verdade que a inovação pode remover barreiras que a limitam a autonomia das pessoas e assim promover a sua liberdade individual para que possam seguir os seus objetivos com mais dignidade e efetividade. Creio que Camus tem uma frase onde aponta que a liberdade não é um prémio que se celebra com champanhe, mas que é, sim, uma corrida longa, solitária e muito cansativa. Será que conseguiremos reunir esforços para tornar esta “corrida” mais colaborativa e menos cansativa para quem ainda não tem a mesma liberdade individual de que nós desfrutamos?