A Humanidade encontra perante si um dos maiores e mais avassaladores desafios do seu tempo: as alterações climáticas. Com vista a enfrentá-lo, as políticas públicas e a regulação têm-se vindo a alinhar para operar uma transformação irreversível na forma como vivemos e convivemos com o planeta.
A expressão alterações climáticas, que encontra na sua génese um fenómeno de flutuação a longo prazo na temperatura global do planeta e nos seus padrões climáticos, compreende uma preocupação a nível internacional, que depois de anos de alertas da ciência tem vindo a ganhar preponderância na consciência da sociedade em geral. A proximidade com que as suas consequências têm vindo a ser sentidas, desde logo com a sucessão mais frequente de fenómenos meteorológicos extremos, e a perceção que o ser humano tem adquirido acerca do seu caráter irreversível, levam a valorizar crescentemente quer as estratégias de mitigação, quer as de de adaptação às alterações climáticas.
As alterações climáticas surgem como a materialização das consequências do aumento na atmosfera de gases fluorados com efeito de estufa (“GEE”), cuja acumulação desmedida tem determinado a formação de uma “manta enrolada à volta da Terra, retendo o calor do sol e aumentando as temperaturas” (Ação Climática, Nações Unidas). Durante décadas, o oceano desenvolveu um papel invisível, conseguindo absorver o excesso de temperatura e dissimular o fenómeno, mas esse tempo já passou e a perspetiva de futuro não é animadora.
Entre os anos de 1990 e 2018, as emissões globais com efeito de estufa aumentaram em 50%, tendo a sua origem, sobretudo, no setor energético e industrial, na (in)eficiência dos edifícios, na agricultura e na utilização de solos. A Europa, nos últimos 150 anos, registou um aumento da temperatura média anual entre 0.8ºC e 1ºC e o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas prevê até 2100, ou seja, em apenas 78 anos, o aumento da temperatura média entre 1.8ºC e 4ºC, ao mesmo tempo que alerta para a total imprevisibilidade uma vez passada a barreira dos 1.5ºC.
A preocupação em torno destas temáticas começou a ser suscitada e debatida ao nível internacional há largas décadas, tenho culminado, em 1992, com a aprovação da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (“UNFCCC”) e, subsequente, em 1997, com a assinatura do Protocolo de Quioto, o primeiro instrumento jurídico internacional a prever explicitamente a limitação das emissões quantificadas de GEE.
As fragilidades apontadas ao Protocolo de Quioto – exacerbadas pelo abandono por alguns Estados, a não ratificação por outros ou, ainda, a existência de metas diferenciadas –, aliadas ao contínuo aumento de emissões de GEE e aos eventos climáticos mais frequentes e severos, ditaram a sua falta de sucesso e a substituição pelo Acordo de Paris, em vigor desde 4 de novembro de 2016.
A necessidade de descarbonização da economia mundial, até então, desejável e recomendada, passou a ser, reconhecidamente, necessária e imprescindível para o alcance das metas ambiciosas estabelecidas no Acordo de Paris: conter o aumento da temperatura global bem abaixo de 2ºC e desenvolver esforços para alcançar 1,5ºC.
Esta mudança de paradigma tornou evidente não só a insuficiência dos esforços envidados até então ao nível mundial, mas também o reconhecimento explícito de que apenas com o contributo e cooperação de todos os Estados, embora no quadro do princípio das responsabilidades comuns mas diferenciadas, seria possível fazer face aos desafios da emergência climática.
Naturalmente, a necessidade de agir de modo premente e de alterar comportamentos – até então, considerados normais –, nomeadamente ao nível da produção de bens e do consumo de recursos, tem vindo a conquistar espaço nas políticas internacionais. Apesar de também serem apontadas fortes limitações ao Acordo de Paris, desde logo relacionadas com o caráter voluntário das Contribuições Nacionais Determinadas, não há dúvida de que representa um marco e uma viragem que tem motivado compromissos de ambição variada por todo o mundo.
A nível europeu, a ambição é elevada, de resto em linha com a liderança que a Europa foi assumindo em todo o processo conducente à aprovação do Acordo de Paris. Na Europa, a consciência de que as alterações climáticas suscitam não só evidentes questões ambientais, mas também questões de justiça social, equidade e direitos humanos, levou à elaboração e aprovação de um plano de ação sobre alterações climáticas, em conformidade com o Acordo de Paris: o Pacto Ecológico Europeu (Green Deal), que nasce da necessidade de criar um percurso único e colaborativo, orientado pelo compromisso de alcançar a neutralidade carbónica o mais tardar em 2050 através de uma transição justa e inclusiva, que não deixe ninguém para trás.
A aprovação do Pacto Ecológico Europeu – que, de resto, resultou de um caminho que vinha sendo trilhado pela União Europeia com vista à criação de uma economia competitiva e baixa em carbono mesmo antes de Paris – determinou um marco para a UE: aquele que tem sido entendido como o início do ponto de viragem do paradigma clássico em diversos setores e atividades emissoras de GEE.
A representação das alterações climáticas como uma ameaça existencial para a Europa e para o resto do Mundo e a definição do rumo a seguir para a mitigação das suas consequências passaram, assim, a ficar gravadas no texto das políticas públicas e, pouco depois, em letra de lei.
Nesse sentido, a União Europeia estabeleceu como objetivos que (i) as emissões líquidas com efeito de estufa passem a ser nulas até 2050, (ii) o crescimento económico da União seja dissociado da utilização de recursos e que (iii) ninguém, nem nenhuma região, seja deixado para trás ao longo desta jornada. É esta a génese da Lei Europeia do Clima, aprovada a 30 de junho de 2021, que transforma o compromisso político assumido no âmbito do Pacto Ecológico Europeu numa verdadeira obrigação irreversível para os Estados-Membros.
O caráter ambicioso desta nova legislação resulta claro ao assumir o compromisso de conter o aumento da temperatura global em 1.5ºC e determinar como vinculativa para os Estados-Membros a obrigação de alcançar a neutralidade carbónica até 2050, data a partir da qual a União Europeia deve alcançar emissões negativas. Para além deste objetivo no longo prazo, é ainda elevada a ambição para 2030, com a revisão em alta da meta inicial de redução de emissões de 40% para pelo menos 55%, e firmado o compromisso de estabelecer uma meta intermédia para 2040 na sequência da primeira avaliação global feita pelas Nações Unidas no quadro do Acordo de Paris. Atingir estes objetivos requer uma ação concertada quer de redução quer de remoção de emissões da atmosfera, desde logo por via de sumidouros naturais (como a floresta e os ecossistemas marinhos).
É nesta senda, com a necessidade de materialização das obrigações previstas na Lei Europeia do Clima e dos objetivos do Pacto Ecológico Europeu, que surge o Plano Fit for 55, prevendo uma série de propostas destinadas a rever e a atualizar a legislação europeia – nomeadamente, em matéria energética, de desempenho energético de edifícios, de emissões de transportes e de utilização de solos – e a permitir o alcance dos objetivos climáticos assumidos pela UE.
Se a lei europeia é mais ambiciosa que o Acordo de Paris, ao nível nacional a Lei de Bases do Clima, aprovada em dezembro de 2021 e em vigor desde 1 de fevereiro de 2022, vai ainda mais longe: reconhece de modo expresso a situação de emergência climática, cria o direito de todos ao equilíbrio climático e é maximalista na enumeração dos sujeitos de ação climática, considerando direitos e deveres, incluindo nestes o conceito de cidadania climática. Do ponto de vista das metas, estabelece a obrigação de estudar a possibilidade de antecipar a neutralidade carbónica para 2045 e fixa uma meta nacional de mitigação intermédia de redução de emissões de GEE em 2040 de, pelo menos, 65% a 75%.
O panorama legislativo internacional, europeu e nacional mostra-nos que o caminho a percorrer em direção à neutralidade carbónica não poderá continuar a ser desconsiderado e adiado e que o mesmo dependerá não só da cooperação dos Estados na definição de estratégias, mas também da colaboração de cada pessoa, coletiva e individualmente considerada, no seu cumprimento. Este esforço contínuo de mitigação, mas também de adaptação e de resiliência, terá como substrato uma forte componente ambiental e uma necessária base social, complementada por uma componente de monitorização da evolução e resultados alcançados ao longo do percurso. Em todo o caso, inovação, tecnologia e um forte empenho transformador induzido por incentivos e penalizações serão condições críticas para o sucesso deste imenso desafio global.
Artigo por Assunção Cristas e Carolina Vaza, Responsável pela Área de Prática Ambiente e Plataforma de Serviços Integrados ESG e Advogada Associada da VdA – Vieira de Almeida & Associados