O SFDR e a consideração dos principais impactos negativos da atividade sobre os fatores de sustentabilidade

O SFDR e a consideração dos principais impactos negativos da atividade sobre os fatores de sustentabilidade

Introdução

O Regulamento (UE) 2019/2088 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Novembro de 2019, relativo à divulgação de informações relacionadas com a sustentabilidade no setor dos serviços financeiros (“SFDR”), discutido na última edição da presente newsletter, é um dos diplomas mais relevantes no âmbito do financiamento sustentável. Neste sentido, pretendemos, na presente edição, aprofundar a análise deste regulamento, com foco na consideração dos principais impactos negativos da atividade sobre os fatores de sustentabilidade e na política de due diligence que poderá ser aprovada neste âmbito.

O SFDR visa aumentar o grau de transparência da atividade das entidades obrigadas (os intervenientes no mercado financeiro e os consultores financeiros[1]), estabelecer critérios uniformes para a divulgação do nível de sustentabilidade de uma atividade, criar uma base sistemática e comparável entre os investimentos sustentáveis e prevenir o greenwashing.

Este regulamento dispõe sobre a regulação de N1, sendo a regulação de N2 assegurada pelos Regulatory Technical Standards (“RTS”), que entram em vigor em 1 de julho de 2022, procedendo ao estabelecimento de critérios mais restritos e à apresentação de templates para cumprir certos requisitos de divulgação previstos no SFDR, em particular a declaração sobre consideração dos impactos negativos da atividade sobre os fatores de sustentabilidade, que iremos desenvolver seguidamente.

Indiretamente, através do princípio comply or explain, estas iniciativas legislativas visam encorajar a adoção, pelas entidades obrigadas, de determinadas práticas, com destaque para a consideração dos principais impactos negativos das decisões de investimento, no caso dos intervenientes no mercado financeiro, ou dos serviços de consultoria para investimento ou aconselhamento em matéria de seguros, no caso dos consultores financeiros, sobre os fatores de sustentabilidade.

 

Consideração dos principais impactos negativos da atividade sobre os fatores de sustentabilidade

Em primeiro lugar, é importante distinguir a integração dos riscos em matéria de sustentabilidade nas decisões de investimento ou nos serviços de consultoria para investimento ou aconselhamento em matéria de seguros, da consideração dos principais impactos negativos da atividade sobre os fatores de sustentabilidade. Estas correspondem a diferentes perspetivas de análise: outside-in e inside-out.

A integração dos riscos em matéria de sustentabilidade nas decisões de investimento ou nos serviços de consultoria para investimento ou aconselhamento em matéria de seguros corresponde a uma perspetiva outside-in – a consideração do impacto negativo de fatores externos de natureza ambiental, social ou de governação no valor do investimento. Em contraste, a consideração dos principais impactos negativos da atividade sobre os fatores de sustentabilidade corresponde a uma perspetiva inside-out: análise sobre se e de que forma uma decisão de investimento ou serviço de consultoria tem um impacto negativo em questões ambientais e sociais.

A divulgação da consideração dos principais impactos negativos da atividade sobre os fatores de sustentabilidade deverá ser realizada ao nível da entidade obrigada e ao nível de cada produto financeiro específico. Na presente newsletter, apenas nos iremos focar na divulgação ao nível da entidade obrigada.

Primeiramente, as entidades obrigadas deverão decidir sobre a consideração dos principais impactos negativos da sua atividade sobre os fatores de sustentabilidade. Esta consideração é obrigatória para os intervenientes no mercado financeiro que, à data de encerramento do respetivo balanço, excedam o critério do número médio de 500 trabalhadores durante o exercício financeiro, ou que sejam empresas-mãe de um grande grupo que exceda este critério em relação ao grupo considerado na sua totalidade, tendo em conta que estas entidades são obrigadas a publicar a declaração infra detalhada sobre as políticas de diligência devida relativamente à consideração dos principais impactos negativos das suas decisões de investimento sobre os fatores de sustentabilidade.

Caso decidam não implementar esta consideração, e desde que não ultrapassem o critério dos 500 trabalhadores acima referido, os intervenientes no mercado financeiro e os consultores financeiros deverão publicar, no seu website, uma declaração clara de que não consideram os principais impactos negativos das suas decisões de investimento ou serviços de consultoria para investimento ou aconselhamento em matéria de seguros, conforme aplicável, bem como os motivos claros para tal, incluindo, se for caso disso, informações sobre se e quando tencionam ter em conta esses impactos negativos. Esta declaração deverá, após a entrada em vigor do RTS, ser incluída numa secção separada, intitulada “No consideration of sustainability adverse impacts”.

Caso as entidades obrigadas decidam considerar os principais impactos negativos da sua atividade sobre os fatores de sustentabilidade, as obrigações variam caso estejamos perante um interveniente no mercado financeiro ou um consultor financeiro.

Os consultores financeiros deverão publicar no seu website informações sobre se, atendendo devidamente à sua dimensão, à natureza e escala das suas atividades e aos tipos dos produtos financeiros sobre os quais prestam aconselhamento, nos seus serviços de consultoria para investimento ou de seguros têm em conta os principais impactos negativos sobre os fatores de sustentabilidade. A partir da entrada em vigor do RTS, esta declaração deverá ser incluída numa secção separada, intitulada “Adverse sustainability impacts statement” e incluir informações sobre o processo de seleção dos produtos financeiros sobre os quais prestam aconselhamento.

Os intervenientes no mercado financeiro deverão publicar uma declaração sobre as políticas de diligência devida relativamente à consideração dos principais impactos negativos das suas decisões de investimento sobre os fatores de sustentabilidade, atendendo devidamente à sua dimensão, à natureza e à escala das suas atividades e aos tipos de produtos financeiros que disponibilizam, que deverá abranger:

  • Informações sobre as suas políticas relativas à identificação e definição de prioridades no que se refere aos principais impactos negativos e indicadores em matéria de sustentabilidade;
  • Uma descrição dos principais impactos negativos em matéria de sustentabilidade e das medidas conexas tomadas ou, se for o caso, planeadas;
  • Breves sínteses das políticas de envolvimento, quando aplicável;
  • A referência ao cumprimento dos códigos de conduta empresarial responsável e das normas internacionalmente reconhecidas em matéria de diligência devida e de apresentação de relatórios e, se for o caso, ao grau do seu alinhamento com os objetivos do Acordo de Paris.

A partir da entrada em vigor do RTS, esta declaração deverá ser publicada anualmente, com referência ao ano anterior, no website, numa secção separada, intitulada “Adverse sustainability impacts statement”, e seguir o template previsto no RTS. Este template contém métodos de cálculo para a consideração destes impactos, bem como um lista de indicadores ambientais e sociais obrigatórios e opcionais.

Assim, de forma indireta, o SFDR cria a obrigação de aprovação de uma política de due diligence relativamente aos principais impactos negativos das decisões de investimento sobre os fatores de sustentabilidade para as entidades que optem pela consideração dos principais impactos negativos, bem como para as entidades que ultrapassem o critério dos 500 trabalhadores.

A due diligence abrangida por esta política diferencia-se das due diligences normalmente realizadas pelas empresas previamente a uma decisão de investimento. As últimas geralmente têm como objetivo avaliar o risco de determinadas questões no valor do investimento, e poderão incluir, ou não, riscos em matéria de sustentabilidade. Por outras palavras, estas due diligences referem-se à perspetiva outside-in acima detalhada. Em contraste, as due diligences a realizar ao abrigo do SFDR focam-se numa perspetiva inside-out – analisar o impacto da atividade da entidade sobre os fatores de sustentabilidade. Esta alteração de perspetiva do modelo de due diligence encontra-se em linha com os UN Guiding Principles on Business and Human Rights e os OECD Guidelines for Multinational Companies.

 

Artigo por: Bruno Ferreira e Inês Crispim Ribeiro, equipa PLMJ

[1] Para maior detalhe sobre as entidades obrigadas, remete-se para a edição de abril de 2021 da presente newsletter, disponível em https://bcsdportugal.org/regulamento-ue-2019-2088-uma-breve-visao-panoramica/.

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