“por isso vos digo
não deixeis o vosso grande amor
refém dos mal-entendidos
do mundo”
José Tolentino Mendonça
Há cerca de três anos, o BCSD Portugal organizou um evento sobre tendências ESG para a década 2020-2030 – num momento em que estávamos no limiar da década decisiva. Pouco depois, a maior parte dos temas debatidos, não tendo perdido o seu carácter urgente, acabaram por ser arredados do debate público quotidiano devido à pandemia Covid-19.
Mais recentemente, há cerca de dois meses, voltámos a organizar um debate sobre tendências ESG, mas desta vez procurando dar maior atenção ao curto prazo, ao ano 2022 (quanto mais distante for o horizonte, mais certo é falharmos as previsões). Um mês depois, começou uma guerra na Europa, largamente inesperada, o que voltou a colocar o tema da sustentabilidade na segunda linha de prioridades. Neste momento, até já há quem defenda o regresso às centrais termoelétricas a carvão – o que seria trágico para o Acordo de Paris sobre o clima.
A sustentabilidade, nomeadamente, a emergência climática ou o colapso dos ecossistemas, é percecionada como sendo importante, mas não urgente – pelo menos quando comparada com guerras e pandemias. Obviamente, trata-se de uma abordagem errada. Aliás, a transição para o paradigma da sustentabilidade terá também como benefício direto a mitigação do risco de guerras e pandemias.
A teoria do caos, inspirada nos princípios da física quântica (não linear), deu-nos várias provas e lições nas últimas décadas. Contudo, nunca o mundo foi tão imprevisível, nem a teoria do caos tão verdadeira. Neste contexto de crescente interdependência, fragilidade e vulnerabilidade, será fundamental termos valores e objetivos cada vez mais firmes, sob pena da vida futura das pessoas e do planeta ficar refém de acontecimentos imprevisíveis de curto prazo.
Para chegarmos a 2030 (e a 2050) com um mundo mais justo e equilibrado, é fundamental não perdermos o foco e acelerarmos o ritmo de concretização do Acordo de Paris sobre o clima, dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 das Nações Unidas e do Pacto Ecológico Europeu. Obviamente, em cada momento seremos confrontados com desafios inesperados de curto prazo, aos quais teremos de responder, mas sem perder o enfoque nos médio e longo prazos.
Relativamente ao choque externo mais recente da invasão da Ucrânia, o BCSD Portugal está a preparar uma resposta de apoio aos refugiados ucranianos no domínio do emprego e formação. Mas fica a promessa de que essa resposta rápida imprevista em nada irá abrandar a nossa entrega aos objetivos que já tínhamos traçados para 2022 (e para a década). Para acontecer, a sustentabilidade não pode mesmo ficar refém dos mal-entendidos do mundo.
João Wengorovius Meneses, Secretário-Geral do BCSD Portugal