
Sandra Matos
Sustainability & Safety Manager na Proef
Oiça a entrevista:
Sandra Matos da Proef é a delegada mais participativa nas atividades do BCSD Portugal, e o seu grande empenho é a eficiência de sistemas de Gestão, a partir dos quais pode(mos) construir um mundo melhor.
Começou pela Faculdade de Psicologia, mas resolveu mudar para a Engenharia onde estudou Qualidade, Ambiente, Segurança e Responsabilidade Social e, mais tarde, especializou-se em Energias Renováveis e Certificação Energética, e depois em Desenvolvimento Sustentável e Reporte. Estudou a vida toda para se tornar na gestora de QEHS & ESG Experience que é, implementando e monitorizando normas ISO, estratégias ESG, elaboração de relatórios de sustentabilidade e gestão da continuidade de negócios. Analítica e organizada, trabalha em equipa para otimizar processos em conformidade com normas e regulamentos, que se querem melhores e mais justos.
A sustentabilidade já era uma paixão de criança ou lembra-se de algum episódio que a tenha despertado?
Não foi uma paixão de criança, mas fazendo um exercício de reflexão, e ao olhar para trás, se calhar sim, porque, na verdade, apesar de morar muito perto da cidade, sempre tive uma ligação muito grande com a Natureza. Sou transmontana e os meus avós eram funcionários públicos, mas tinham um espaço considerável que era tratado por eles. Tenho memórias muito marcadas de infância, de estar com a minha avó a plantar morangos e ervilhas-de-cheiro, por exemplo, e a desenhar aqueles regos para a água, foi sempre muita a preocupação em não gastar água em excesso, isto apesar da água ser do poço, nem eram questões económicas. “Vai lá para o fundo ver e quando a água chegar lá, diz!” Tenho estas memórias muito marcadas e lembro-me perfeitamente de dar a comida aos pintainhos e aos coelhos sempre com muito cuidado com os animais. De fazer piqueniques e nadar no rio. Esses momentos simples criaram em mim um respeito natural pelo Ambiente e pela vida que nos rodeia. Portanto, se calhar, é uma coisa que já estava aqui dentro. Depois, à medida que fui estudando, tive a sorte de, no 10º ano, ter uma disciplina que me marcou muito (e é curioso porque é das poucas capas de livro de que me recordo) e se chamava Ecologia [de Joaquim Morais Ferreira] e não estava integrada na Biologia. Fez-me ter muito o sentimento de que as coisas acabam. Não era só a relação entre as espécies e os ecossistemas, era a ideia de finitude. E foi há muitos anos que fiz o 12º ano de Ciências. E esta ideia foi-me sempre acompanhando. E que as perturbações ambientais mais locais acabam por ter repercussões globais, ultrapassando fronteiras geográficas e impactando outras regiões. Penso que foi assim que entendi, de forma mais consciente e estruturada, a interligação dos ecossistemas e a importância de cuidarmos daquilo que nos rodeia. É uma consciência que me vem muito de trás, embora nunca tenha sido ativismo. Estava eu a entrar na faculdade, com uma atividade de associativismo académico, fui vice-presidente da Associação de Estudantes da FPCEUP, e a Conferência do Rio, de 1992, foi um marco global que consolidou a minha consciência relativamente ao conceito de desenvolvimento sustentável, enquanto cooperação internacional para proteger o ambiente e integrar Economia, Sociedade e Natureza.
Seguiu essas bandeiras quando foi estudar para o ISCTE e fez a sua especialização em Gestão Ambiental, e depois as várias pós-graduações mais específicas?
Exatamente, porque apesar de ter mudado o rumo, e entrado na área da Engenharia, e da Engenharia de Segurança no Trabalho, uma área muito importante na parte social, quando surge o tema do Ambiente em contexto profissional, lançaram-me o desafio de trabalhar na área de Gestão Ambiental também, e eu pensei: “Gostava, mas preciso de ter mais conhecimentos e contexto”. E é quando vou fazer o mestrado em Gestão Ambiental, à medida que fui percebendo o papel que as empresas têm nesta jornada. No mestrado, foi plena a consciência de integrar práticas responsáveis nas operações das empresas, equilibrando necessidades económicas e proteção ambiental. Gosto muito de trabalhar com sistemas de gestão que, na minha opinião podem servir, em absoluto, os temas todos da sustentabilidade. Depois, juntando um bocadinho daqui e um bocadinho de ali, e com enfoque maior no clarificar o que é a sustentabilidade – um conjunto que não é só ambiental, tem toda a dimensão social e económica – penso: é este o caminho que quero e é por aqui que quero ir. Depois chegam as outras pós-graduações. Em Energia Renovável e Eficiência Energética aprofundei soluções concretas para reduzir impactos e otimizar recursos, percebendo o potencial das empresas em liderar mudanças positivas. Na pós-graduação em Desenvolvimento Sustentável, tive uma visão holística da sustentabilidade e desenvolvimento sustentável, com grande enfoque nos ODS, explorei a dimensão estratégica e social, entendendo como políticas e práticas sustentáveis podem gerar benefícios para comunidades, colaboradores e outros stakeholders. Mais recentemente, na pós-graduação em ESG: Reporting e Gestão Sustentável, consolidei ferramentas de avaliação e comunicação de desempenho ambiental, social e de governação, aprendendo a transformar princípios éticos em ações mensuráveis. Foi assim que percebi que, quando bem orientadas, as empresas têm um valor acrescentado fundamental na construção de um futuro mais sustentável. Estou agora inscrita no Mestrado na FEP de Economia e Gestão Ambiental e a minha expectativa é associar à dimensão mais ambiental a perspetiva económica e financeira da sustentabilidade, potenciando a aplicabilidade de ferramentas para avaliar custos, benefícios e impactos no negócio, e falar a mesma linguagem da Gestão.
Como definiria o que faz, exatamente?
A função foi atualizada para Sustainability & Safety Manager, o meu trabalho é garantir que a empresa opera de forma segura, eficiente e sustentável. A base do meu trabalho são os Sistemas de Gestão (qualidade, ambiente, segurança, continuidade de negócio), que estruturam e orientam todas as nossas práticas. É essencial ter informação fiável e medir resultados para tomar decisões conscientes e eficazes, bem como assegurar o cumprimento de todos os requisitos legais aplicáveis.
Em que medida é que a Sustentabilidade está no centro destas funções, as ajuda ou beneficia com elas?
Estas áreas são todas a Sustentabilidade. Os Sistemas de Gestão são uma ferramenta para, porque recolhemos informação e analisamos dados e adotamos medidas. Depois temos, naturalmente, a parte da conformidade regulamentar, lidar com requisitos internos, mas é um instrumento ao serviço da sustentabilidade, porque eu para tomar decisões consequentes, e decidir priorizações, preciso de ter informação, de ter números. Na área corporativa, como em nenhuma, os limites não são infinitos (risos). De forma simplista, o sistema de Gestão da Qualidade está muito relacionado com os nossos stakeholders mais externos, com os nossos clientes, com a transparência, com entregarmos os resultados de continuidade e garantirmos que as externalidades nos afetam o menos possível. A sustentabilidade é “suportada” pelo desenho dos Sistemas de Gestão e com o objetivo comum de ajudar a reduzir impactos ambientais, a melhorar a segurança e bem-estar das pessoas e a fortalecer a resiliência e reputação da empresa. Quem trabalha com os Sistemas de Gestão, o reporte acaba por não ser aquela coisa com que toda a gente fica assustada. E a continuidade de negócio e segurança de informação, que está muito ligada com uma parte da governança, o sistema de segurança e saúde no trabalho, que tem uma grande componente social, porque entramos sempre com os nossos trabalhadores da cadeia de valor, também os que nos prestam serviços, os nossos fornecedores. E, em termos ambientais, há um paralelismo muito grande entre o que são as temáticas do Sistema de Gestão Ambiental, a avaliação de aspetos de impacto ambiental que depois vai atrás do que é a matriz de dupla materialidade de forma direta, na avaliação de impacto, portanto, os sistemas são uma ferramenta para a Sustentabilidade.
A sua função é muito completa, também faz auditoria e treino de equipas, está presente em todo o círculo da sustentabilidade. De que forma é que usa o seu conhecimento, até em Psicologia, e também o das pessoas da sua equipa, para passar o exemplo da Sustentabilidade a todos os outros colaboradores?
É interessante referir isso porque, no início, quando eu dizia que sou Engenheira, em conversa, diziam-me: Como é que estudaste Ciências, no liceu, depois fazes essa formação, que era a paixão-paixão e, de repente, voltas à Engenharia, o que é que isso tem a ver com Engenharia? É que tem mesmo tudo a ver, porque estamos a falar de perceber as pessoas e o que os contextos ditam sobre as pessoas. É, de facto, uma ferramenta muito grande. E nas auditorias como na formação, acho que, de forma genérica, em quase todas as minhas funções e aquilo que faço, tem tudo a ver com ser consequente. Não é só porque sim. É importante fazer as auditorias, ainda por cima são internas, tenho essa vantagem, não estou no papel do certificador, mas é muito pedagógico. E ser consequente é adotar determinada ação para chegar a determinado objetivo que está definido. E não tem mal não termos chegado ainda, o que é importante é perceber que chegamos, perceber o que é importante para chegarmos e até, eventualmente, percebermos que nem era aquele objetivo a que queríamos chegar. Neste momento não consigo dar formação fora, tenho muita pena, porque é uma coisa de que gosto muito, mas é o mesmo princípio: tomar conhecimento, sensibilizar e focar em algumas temáticas de que às vezes nos esquecemos, ou o tema da desinformação, que é muito crítico.
Procuro evidenciar aos colaboradores como cada plano de ação é suportado por métricas, com o intuito de atingir targets, com impacto no propósito da estratégia que foi definida para o negócio. É fundamental o nexo de causa e efeito de cada prática, e o exemplo com atitudes concretas, demonstrando que também as pequenas decisões do dia-a-dia podem gerar resultados positivos significativos e que os desvios que se encontram devem ser integrados e potenciadores de redefinição da estratégia. A formação, sensibilização, consciencialização, é fundamental para adquirir novos conceitos ou relembrar os já aprendidos, conhecer outras experiências, para que todos compreendam a importância da sustentabilidade e a apliquem de forma consistente (associada a cada uma das suas funções). O objetivo é que todos percebam que a sustentabilidade não é apenas uma regra, mas uma prática que influencia o sucesso e a responsabilidade da organização. Tanto na formação, como em sede de auditoria, a ideia é passar informação, é importante as pessoas perceberem porquê, e não é porque sim, mas porque há um regulamento ou um decreto-lei. Disclaimer: há as pessoas que querem perceber e há as pessoas que não querem perceber e é nessas que temos de nos focar mais.
E a Psicologia também dá aqui uma ajuda?
Sobretudo naquela base, porque até o fazemos de forma intuitiva, que é: para esta pessoa ou para este grupo a mensagem é assim, para esta outra pessoa já não a podemos passar assim, e para aquela quase não precisamos de passar mensagem nenhuma. Perceber que temos de ajustar a nossa comunicação em função das pessoas e do público que temos.
A sua experiência é maioritariamente em grandes empresas – de que forma é mais fácil, ou difícil, empreender esta mudança de mentalidade, a de olharmos para o planeta como fazendo parte dele, numa escala maior onde, tantas vezes, se perde a proximidade?
Tenho uma opinião que decorre da minha experiência em empresas que têm alguma expressão, e da informação que vou recolhendo do contacto com outras pessoas. Acho que, desde logo, uma empresa maior tem outra disponibilidade de recursos. E não há como negar que precisamos de pessoas, de tempo e de dinheiro, não é? Só o facto de podermos ter pessoas dedicadas a determinadas áreas já é um investimento. Sempre estive ligada a sistemas e implementá-los custa dinheiro e pessoas e tempo: certificar sistemas, que também nos dá aquela segunda opinião, custa dinheiro e nem sempre é possível em empresas mais pequenas. Estamos a falar que um círculo de certificação de três referenciais, o habitual, qualidade, ambiente e segurança, custa à volta de 50 mil euros, e isto só a parte de vir o auditor externo, não estamos a falar depois de tudo o resto… Trabalhar em grandes empresas traz vantagens e desafios quando se trata de empreender mudanças e modernizar mentalidades. Por um lado, é mais fácil implementar processos estruturados, sistemas de gestão e políticas consistentes, porque há recursos, responsabilidades definidas e capacidade de investir em formação e tecnologias. Por outro lado, a maior escala torna mais difícil criar proximidade, é mais difícil envolver as pessoas, trazê-las para nós, porque somos muitos, o que exige estratégias conscientes de comunicação e muita consistência e coerência entre ações e práticas. Esta é uma desvantagem das grandes empresas, e pode ser uma vantagem das mais pequeninas, onde a mudança também é sentida de forma mais rápida e direta. Em grandes organizações, o segredo é combinar o rigor dos processos, com o envolvimento e motivação das pessoas, evidenciando o impacto real das ações nos resultados e estratégia da empresa.
Tem liderado “projetos estratégicos em setores como a engenharia e a construção, tecnologia de informação e energia”, pode falar-nos de um de que mais se orgulhe?
Há um, se calhar porque foi o primeiro com mais foco e numa altura em que os relatórios de sustentabilidade ainda eram como as pessoas queriam. Eu tive a sorte de estar a trabalhar numa empresa que pertencia a um grupo espanhol, que era cotada e reportava já a sua informação. Na sequência de ter feito um mestrado em Gestão Ambiental, foi-me lançado o desafio de redesenhar, precisamente, o Sistema de Gestão Ambiental de acordo com a 14 1001, para poder dar resposta a todos os requisitos. Na altura, reportava-se de acordo com o GRI, começámos com a 141001 e depois foi pedido que estendêssemos aos outros pilares, ao de governança e ao social. E eu gostei muito. E acabei o meu mestrado com o tema da contribuição dos sistemas para os relatórios de Sustentabilidade. E correu muito bem e foi uma prática que depois foi, naturalmente, validada, analisada e traduzida, e foi implementada. É a que está aqui, ainda, repare, não tínhamos plataformas nenhumas, era tudo Excel e lido, não haviam as facilidades que existem hoje. Colocar o sistema de Gestão Ambiental ao “serviço do reporte” considerando os requisitos GRI (em ih2015) permitiu transformar dados operacionais em informação confiável e estruturada, facilitando decisões estratégicas e mostrando, de forma clara, o desempenho ambiental e social da organização. O que mais me orgulha é perceber que, nestes projetos, conseguimos transformar princípios de Sustentabilidade em práticas tangíveis.
E mais recentemente?
Foi colaborar, a nível internacional, em 2022, no desenvolvimento de uma plataforma digital para análise de riscos e oportunidades (impacto e financeiro) de todos os stakeholders envolvidos. Foi crucial e permitiu transformar dados operacionais em informação estruturada e confiável, monitorizar continuamente indicadores-chave, identificar riscos e oportunidades de forma proativa e fornecer à organização uma base sólida para tomar decisões estratégicas conscientes. A recolha sistemática de informação e a monitorização permanente garantem que os impactos ambientais, sociais e de governança são avaliados em tempo real, reforçando a eficácia das ações e promovendo melhorias contínuas. Este projeto mostrou-me o valor de combinar tecnologia, processos e mudança de mentalidade para criar resultados concretos e duradouros.
Não posso deixar de referir o desafio que a Proef me lançou, há três anos, para integrar a empresa com a missão de apoiar a definição e implementação da estratégia de Sustentabilidade do grupo. Temos trabalhado na jornada da Sustentabilidade de forma consciente e coerente, integrando-a nos processos de decisão da empresa. Queremos que os requisitos legais e normativos sejam instrumentos de Gestão que orientam a estratégia, reforçam a transparência e geram valor para o negócio.
Tem muita experiência em eficiência operacional e Sustentabilidade, em auditoria, certificação e políticas de desenvolvimento para ambientes de trabalho mais seguros e sustentáveis. O que mais falha, ou falta, nos ambientes de trabalho e porquê?
Falha, desde logo, a motivação correta: porque faço isto? E depois haver uma organização, uma estrutura, vou recolher e analisar isto, um processo. Que as empresas já têm de forma perfeitamente natural, na parte financeira. E até acharíamos que seria fácil introduzir novos processos na organização, na verdade são novos na temática, porque o sistema já existe, é só acrescentar. O que mais falha é o propósito: porque é que analiso isto? Não é para apresentar um relatório no fim do ano, para enviar ao cliente (nós, nesta área temos uma pressão, mais do que regulatória, do cliente, e ainda bem, faz com que as organizações tenham de acelerar os seus processos, para poderem responder). Depois, acho que ainda, de forma geral, não conseguimos ter claro para nós que a sustentabilidade é tudo. Eu costumo dizer, e alguns colegas ficam perplexos, e outros riem-se: a minha área passou a chamar-se Sustentabilidade e segurança, na verdade não devia ser uma área, porque está em todo o lado. Serei muito mais feliz, e terei a consciência plena de atingimento de objetivos, quando não for preciso existir uma área que se chame Sustentabilidade e segurança. É claro, para nós, que está dentro da estratégia de negócio, mas isto tem de ser absolutamente claro para toda a gente, desde o CEO ao colega que está a desenhar um projeto. E não dizer: “Lá vem agora aquela pessoa da sustentabilidade e depois como vai estar a previsão, e o que vou fazer com os equipamentos quando passarem 20 anos?… Eu sou uma otimista por natureza e acredito que, um dia, será automático. Este é foi exatamente o caminho que seguimos com os sistemas de gestão, por exemplo, primeiro era tudo difícil e complicado, era uma coisa que estava só no papel, ninguém queria saber daquilo, ninguém analisava, as áreas não estavam integradas, foi evoluindo e agora é muito mais natural. Mas para isto acontecer, as organizações precisam de melhorar bastante no porquê: porque é que eu faço isto e qual é o meu propósito? E digo estrito, mais terra a terra e do dia a dia, não o que vamos deixar para as novas gerações. E isso tem que ver com a forma como comunicamos, é o que envolve as pessoas. Se comunicarmos bem, as pessoas vão perceber.
Com base na minha experiência, nos ambientes de trabalho muitas vezes faltam processos estruturados de monitorização e medição, que permitam perceber de forma concreta os impactos das ações e tomar decisões informadas. Também noto que, por vezes, há lacunas na comunicação e no envolvimento de todas as áreas da organização, o que dificulta a implementação de práticas integradas de eficiência operacional e sustentabilidade. Em resumo, falha muitas vezes a capacidade de transformar normas, certificações e políticas em ações tangíveis e partilhadas por todos, que gerem impacto real e duradouro.
A Europa vai à frente na consciência destas questões, assistimos a um mundo em transformação, e em pequenos recuos. Como vê a evolução da sustentabilidade do presente para o futuro, de hoje para amanhã?
Sou otimista por natureza, e acho que é um momento, como já tivemos outros momentos, de avanços e de recuos. Temos mais impacto porque estamos num momento em que conseguimos comunicar, como não conseguíamos comunicar há 15 anos atrás, mas não tenho dúvidas de que não vamos recuar. Podemos, se calhar, lá está, ajustar os nossos objetivos e apostar, mais ainda, na inovação. Mesmo que não consigamos chegar ao 1,5, mas ao 1,7, se tivermos inovação (e voltamos ao investimento, e é preciso que as empresas tenham o seu negócio a andar) e se invertermos esta ideia, que às vezes temos: eu preciso de integrar a Sustentabilidade no meu negócio. Não, eu preciso de trabalhar para o meu negócio de forma diferente, de perceber qual é o meu limite e até onde posso chegar, e olhar para o meu negócio de forma diferente.
Eu, entretanto, comecei um mestrado na Faculdade de Economia, e a professora de Economia e ambiente, que é uma senhora excecional, e ela dizia isto: não vamos inventar a roda, estamos a pensar na indústria têxtil, por exemplo, agora vamos reciclar e recuperar (somos 50 alunos, e metade da turma são colegas que acabaram o curso e vêm fazer o mestrado), não, vamos pensar na Patagónia. E os colegas todos: Patagónia? Lá em baixo, na Argentina e no Chile? Que é o exemplo clássico. Eu não peguei na Sustentabilidade e integrei-a no meu negócio, não, eu fiz o meu negócio à volta de um produto sustentável que é lucrativo. E vamos precisar de passar por uma alteração de estratégia, e vamos continuar o caminho. E acho que a China vai ser um parceiro claro da Europa nesta temática, e os Estados Unidos, acho que por maioria de razão, quando forem investir nas infraestruturas que ardem, nos transportes, acho que vão voltar ao caminho, e não atrás. Não tenho dúvidas de que não vai ser diferente.
Noto uma mudança significativa: organizações começam a adotar ações proativas, medir impactos, inovar e comunicar de forma transparente.O Relatório Draghi, publicado em setembro de 2024, destaca a urgência de aumentar os investimentos na União Europeia para garantir competitividade e soberania, mas também sublinha que a sustentabilidade é uma oportunidade estratégica, especialmente no desenvolvimento de tecnologias limpas, não tenho dúvidas que a inovação é fundamental para responder aos desafios globais, permitindo criar soluções mais eficientes, reduzir impactos e gerar valor económico e social.
No futuro (curto e médio prazo) permanecerão algumas dificuldades relacionadas com a integração da Sustentabilidade em cadeias de valor globais e conciliar crescimento económico com mitigação/potenciação de impactos ambientais e promoção de impactos sociais positivos; acredito que estamos no caminho certo. O verdadeiro sucesso será quando a Sustentabilidade se tornar natural em todas as decisões e processos, incorporada no dia a dia das organizações e apoiada pela inovação, gerando valor económico, social e ambiental. Neste contexto, ser membro do BCSD Portugal (e associações semelhantes) é extremamente relevante, permitindo às empresas e líderes de sustentabilidade aceder a uma rede de boas práticas, benchmark internacionais e fóruns de discussão, alinhando estratégias com os padrões globais de ESG. Considero determinante, para a jornada, o networking com empresas e decisores, promovendo parcerias e ações colaborativas que aumentam o impacto das iniciativas de sustentabilidade.
Existe alguma causa que lhe seja particularmente cara ou próxima?
Tenho dificuldade em nomear uma causa, tenho uma causa que é a minha sobrinha. A Justiça Social, em todas as vertentes em que a possamos pensar: a equidade, o acesso a infraestruturas básicas. Mas, particularmente, e se calhar enviesado pela minha primeira vida e o sítio onde fiz estágio, precisamos de olhar para as crianças com particular cuidado, e não é só porque são elas que vão projetar o futuro. Eu digo que a minha causa é a minha sobrinha, que tem 7 anos, feitos em agosto e duas vezes por ano, todos os anos, de forma absolutamente natural, ela diz: “Já não jogo com este jogo há muito tempo, nem brinco com este boneco”. E vai com os pais entregá-los a uma associação, em Oeiras. De uma forma completamente desprendida e desprovida de ego: eu já usei, já deixei de usar e outras crianças vão agora usar também. E é esta que tem de ser a nossa causa. São passos pequeninos, mas tenho a certeza de que estas crianças, a quem alguém lhe ensinou porquê, os pais, a escola, ela anda agora numa escola pública muito dinâmica nestas questões. Conseguir um ecossistema que cria as estratégias e dá ferramentas às crianças para que elas, no futuro, possam aplicar e ajustar estes comportamentos – esta é a minha causa. Conseguir que dentro desta faixa etária, que é fundamental para tudo, que tragam estas práticas para a casa, para os pais. Se todos tivermos uma causa em casa e a pudermos replicar, acho que estamos todos a dar um contributo.
E essas crianças um dia vão para o mercado de trabalho e nem imaginam sequer que as empresas possam ser de outra forma.
Vou dar um exemplo: a minha sobrinha, na escola onde andava desde pequenina, tinha meninos de outras nacionalidades, ucranianos, meninos de origens africanas… É muito curioso, e isto não se ensina, por isso acho o exemplo tão importante. Quando procuramos encontrar referências, nunca, em nenhuma conversa com esta criança de 7 anos, ela se referiu a uma característica diferenciadora física, para se dirigir ou identificar qualquer um dos colegas, o gordo, o dos óculos, o de pele mais escura? Nunca nada. E é isto que faz o nosso futuro, eles serem mais justos e equitativos com os colegas, também o vão ser em termos organizativos e todas as dimensões. Se todos contribuirmos um bocadinho, dentro das nossas possibilidades, ainda que não contribuam como as organizações ou os governos, conseguimos ir fazendo caminho, construindo e chegar a um bom porto. Trabalhar por justiça social é, portanto, também trabalhar por Sustentabilidade, significa dar voz, garantir proteção e criar soluções que tornem o futuro mais seguro, tanto para as pessoas como para o planeta.