Pode parecer pelo título, mas este não será um texto sobre greenwashing.
Há uns anos conheci uma pessoa que, abertamente, me disse que não ouvia música e que nunca sentiu esse chamamento. Creio que, nesse momento, consegui disfarçar com sucesso a estranheza que isso me causava, mas ainda hoje dou por mim a lembrar-me dessa pessoa quando fico arrepiado durante um concerto.
Quem me conhece sabe que me identifico mais com a personagem Nick Andopolis, da série Freaks and Geeks, que logo no primeiro episódio partilha um pouco da sua sabedoria quando nos diz que “acredita em Deus, porque já o viu e sentiu o seu poder. Isto porque é baterista nos Led Zeppelin e chama-se John Bonham.”.
Por outro lado, os interessados na temática sustentabilidade saberão, certamente, que assim que este “bichinho” se apodera de nós é difícil ignorá-lo e, assim, dei por mim a olhar para a música cada vez mais através da lente da sustentabilidade – espelhando, aliás, o que está a acontecer dentro das nossas sociedades para inúmeros setores.
A verdade é que são vários os desafios e oportunidades já identificados, tanto de um ponto de vista ambiental, social, mas também, de governança.
Temos a questão das emissões de gases com efeito de estufa (GEE) associadas às digressões de grande escala, que, se por um lado, originou em contas no X o acompanhamento das rotas dos jatos da Taylor Swift durante a sua digressão, o que por outro lado também fez com que artistas como os Coldplay ou a Billie Eilish começassem a implementar mudanças na suas digressões.
Podemos olhar também para as emissões associadas ao consumo de música via serviços de streaming, que ultrapassam largamente as emissões relativas à produção de CDs e discos de vinil, devido ao consumo energético dos data centers. Sobre a produção de discos de vinil – que tem estado em claro ressurgimento nos últimos anos – surgiram pela primeira vez, em 2022, discos produzidos com uma alternativa de bioplástico. E ainda nos serviços de streaming, se é verdade que pode permitir aos artistas chegarem mais facilmente a novos ouvintes, não nos podemos esquecer das suas recorrentes queixas quanto à forma como são distribuídos os lucros destas plataformas.
Olhando para os festivais, foi com apreço que vi uma iniciativa do NOS Alive, durante o concerto da Dua Lipa, que proporcionou uma experiência inclusiva para pessoas surdas. Esperemos que o próximo passo seja tornar estas experiências a norma e não algo pontual, para que os festivais e concertos de música sejam mais acessíveis. No fundo, é atuar como a Rosalía nos canta num dos seus temas, algo como “Não baseei a minha carreira em ter hits, tenho hits porque lancei as bases”.
Festivais que assumem este compromisso são, por exemplo, o Bons Sons ou o MEO Kalorama – cuja “casa-mãe” deste último, a Last Tour, possui certificação B Corp – com iniciativas ao nível do envolvimento da comunidade, acessibilidade e medidas ambientais bem vincadas na sua atuação.
Para terminar, outro dos grandes desafios deste setor é daqueles que não é novidade para ninguém. A representação de artistas ou bandas masculinas (63%) continua a ser bastante superior à representação feminina (21%), como demonstra este estudo realizado em festivais do Reino Unido. Basta consultar as várias listas de melhores álbuns dos últimos anos para perceber que esta diferença de representação não se justifica pela qualidade dos trabalhos produzidos. Felizmente, os anúncios mais recentes das digressões e festivais nacionais parecem querer inverter esta tendência.
Comecei este texto por dizer que nem toda a gente ouve música, mas como diz a (grande) artista Bia Maria no seu recém-lançado álbum: qualquer um pode cantar. Temos também de garantir as mesmas oportunidades para que todos possam atuar. Isso seria música para os nossos ouvidos.
Rafael Botelho
Training Manager no BCSD Portugal