Será egoísta pensarmos na nossa própria felicidade nos tempos que correm?

Daniela Lima
Gestora de Conhecimento e Formação no BCSD Portugal

Todos os dias somos bombardeados com notícias que nos deixam muito pouco espaço para otimismo: a crescente polarização e tensão social, o colapso iminente da natureza e do clima, a normalização do discurso de ódio, da violência e da tirania. Tudo isto parece mais prevalente do que nunca, e a acontecer à escala global.

Sabemos que, enquanto cidadãos, há inúmeras formas de agir e fazer a nossa parte: sensibilizando e debatendo dentro dos nossos círculos, apoiando e financiando causas que consideramos justas, utilizando a nossa voz através de petições ou de ações junto das instituições locais. Mas, mesmo assim, se nos permitirmos ser honestos connosco próprios… é muito difícil manter o ânimo e evitar um profundo sentimento de impotência perante tantas injustiças e tragédias em simultâneo. Quando tudo isto se torna pesado demais para suportar, facilmente passamos para um estado de dormência e apatia. Pode até parecer que a única resposta socialmente aceitável é desistirmos da nossa felicidade perante um cenário tão duro.

Mas é precisamente nesse momento que, por mais polémico possa parecer, precisamos de nos virar para dentro e cuidar da nossa própria felicidade e bem-estar.

Estudos demostram que cuidar da nossa própria felicidade não é um luxo, mas sim um recurso essencial. As emoções positivas ampliam a nossa capacidade de pensar de forma criativa e de encontrar soluções, reforçando a nossa resiliência perante adversidades.

Pessoas mais felizes e satisfeitas com a sua vida tendem a ter relações pessoais mais fortes, melhor desempenho no trabalho e mais saúde. São mais solidárias, empáticas e propensas a comportamentos de ajuda, o que mostra como o bem-estar individual acaba por beneficiar o coletivo. A título de exemplo, há estudos, tal como este, que revelam que gastar dinheiro com os outros, em vez de apenas connosco próprios, aumenta os nossos níveis de felicidade. Ou seja, existe uma espécie ligação circular: quanto mais cultivamos emoções positivas, mais nos sentimos capazes de apoiar e contribuir.

Por outro lado, o stress crónico e o desgaste emocional fragilizam o corpo e a mente, reduzindo a nossa capacidade de agir e de estarmos presentes. O burnout, que tantos de nós já experienciaram, não é apenas uma questão individual, mas um obstáculo coletivo: quando estamos exaustos, retiramo-nos, deixamos de usar a nossa voz, e deixamos de contribuir.

É por isso que cuidar da nossa felicidade não é um ato de egoísmo, mas um ato de responsabilidade e até de resistência – e isto é especialmente verdade nos tempos desafiantes em que vivemos. Focarmo-nos em nós próprios e na nossa felicidade não nos afasta do nosso compromisso com o mundo: preparam-nos sim para estar nele com maior clareza, potenciando ainda mais a nossa energia e disponibilidade para estarmos ao serviço da comunidade, da nossa família e das causas que nos movem.

Se quisermos manter viva a nossa capacidade de agir, de apoiar e de transformar, precisamos de assumir a felicidade como parte da estratégia coletiva de mudança. Só assim criamos condições para garantir, a longo prazo, que continuamos a contribuir e a criar um impacto positivo na nossa esfera de influência.

Deixo-o com um desafio: reflita sobre o que o faz realmente feliz. Consegue incorporar mais disso, no seu dia-a-dia? Tente fazê-lo, como se isso fosse a ferramenta mais eficaz de que dispõe para mudar o mundo – porque é.

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