Riscos das Alterações Climáticas
2023 foi o ano civil mais quente, superando o recorde anterior estabelecido em 2016. De acordo com o programa Copernicus1, foi também o primeiro ano em que todos os dias registaram valores acima de 1°C e cerca de 50% dos dias foram 1,5°C mais quentes do que o nível pré-industriais relativos a 1850-1900. Ao mesmo tempo, as emissões de gases com efeito de estufa continuam a atingir máximos históricos. Os números mais recentes das Nações Unidas, discutidos no balanço da COP28, indicam que a soma dos contributos previstos nos compromissos dos vários países nos colocam numa trajetória de aumento que poderá ultrapassar os 2,5ºC, podendo atingir 2,9ºC. Estes resultados apontam que até 2030 será necessário reduzir as emissões em 28% e 42% de modo a não ultrapassar os limiares de temperatura definidos pelo Acordo de Paris de 2°Ce 1,5ºC respetivamente2.
O aumento da frequência e intensidade de eventos climáticos extremos, como a escassez de água, ondas de calor, perda de colheitas ou os danos em ativos e infraestruturas provocados por incêndios, inundações ou ventos fortes, podem traduzir-se em crises alimentares, energéticas e sanitárias com consequências devastadoras para a sociedade e para a estrutura económica e produtividade das empresas. Em 2023, 76% dos custos diretamente decorrentes de desastres naturais (totalizando 250 mil milhões de dólares), estiveram ligados a eventos meteorológicos extremos3. Juntando os custos socio-económicos indiretos, este valor pode ter sido muito superior. As alterações climáticas são uma realidade que exige uma transformação urgente e profunda da economia, em que todos os setores precisam estar envolvidos.
Descarbonizar não deve ser a única frente de ação na agenda climática empresarial
De acordo com os resultados do último Net-Zero Economy Index, 2023 da PwC4, que mede o progresso na descarbonização da economia por parte dos membros do G20, o mundo precisa reduzir a intensidade de carbono da atividade económica em 17,2% a cada ano para limitar o aquecimento global a 1,5º C – isto é, 7 vezes mais rápido do que a média global alcançada nas últimas duas décadas.
Embora os esforços de mitigação tenham de estar no topo da nossa agenda climática, perante os impactos que já se fazem sentir, as empresas precisam também de se adaptar a um mundo mais quente. É importante colocar em prática todo um processo de identificação e avaliação dos riscos climáticos que ajude as empresas no planeamento da sua adaptação climática —ou seja, na compreensão do esforço necessário para reduzir eventuais perdas económicas resultantes das alterações climáticas, inovar nas oportunidades de criar crescimento das receitas, de poupança de custos, bem como proteger as comunidades locais e os ecossistemas onde as empresas operam. Num estudo da agência de rating S&P5, sem adaptação, até 2050, entre 3,2% e 5,1% do PIB mundial anual pode estar em risco, em diversos cenários estudados.
Os resultados de um estudo recente da PwC – 26ª Global CEOs Annual Survey6, mais de metade dos CEOs entrevistados referem que as suas empresas estarão expostas a algum grau de risco climático nos próximos cinco anos. Numa amostra de 100 grandes empresas, indicam ainda que os impactos financeiros devido aos riscos climáticos físicos correspondem a cerca de 10% das vendas anuais e 4% do seu valor de mercado, o que significa que as alterações climáticas começam a representar impactos materiais para as empresas. O risco climático tem impacto nos seus perfis de custos (50%), cadeias de abastecimento (42%) e ativos físicos (24%). Esta conclusão sublinha a clara necessidade de as organizações se adaptarem às alterações climáticas.
O que envolve o desafio da adaptação para as empresas?
O conceito de adaptação refere-se ao processo de ajuste aos efeitos físicos das alterações climáticas7. Esses efeitos podem ser crónicos e ocorrer lentamente (por exemplo, temperaturas do ar consistentemente mais altas, ou aumento do nível médio do mar) ou agudos (por exemplo, ondas de calor, ventos fortes, precipitação intensa). As soluções de adaptação e de redução de vulnerabilidade, envolvem por exemplo: a criação de sistemas de prevenção e alerta de tempestades, perigo de incêndio ou ondas de calor, a mudança de espécies agrícolas ou florestais mais adaptadas a um clima diferente, ajustar a flexibilidade nos horários, por exemplo para períodos de stress térmico, ou apostar no trabalho híbrido, principalmente para situações de chuva intensa e tempestades. Para as empresas, a adaptação climática envolve o investimento na redução dos riscos que afetam a continuidade e resiliência da sua atividade, segurança dos seus trabalhadores e da sua cadeia de valor.
Para informar a tomada de decisão, a estratégia de adaptação empresarial deve integrar o conhecimento dos cenários plausíveis do clima futuro (para além dos dados do histórico), envolvendo 3 etapas principais: 1. Identificar e analisar os ativos em que os limiares críticos dos riscos físicos (atuais e futuros) são mais materiais, em cada localização onde operam, ao longo da cadeia de valor e nos mercados onde trabalham; 2. Identificar as ações de resposta aos eventos climáticos esperados e 3. Participar e colaborar com outros stakeholders para garantir a aprendizagem contínua e promover a ação na adaptação climática8.
A adaptação é um processo – uma forma de responder às constantes mudanças nas condições físicas. Isso significa que não há uma abordagem única que funciona para todas as empresas, não existe uma meta que indique o sucesso na adaptação climática, nem um equivalente Net Zero que todas as organizações possam definir. É um trabalho que envolve complexidade técnica e muita incerteza na análise do médio e longo prazo para vários cenários climáticos, onde cada empresa tem uma exposição única ao risco e uma reposta que deve desenhar à sua medida. Para além da resiliência operacional, é um processo que permite recolher a informação para dar resposta às recentes obrigações de divulgação de informação que são aplicáveis às empresas tais como a CSRD, ISSB, que integraram as recomendações da TCFD, bem como o regulamento da Taxonomia da União Europeia.
As alterações climáticas são um duplo desafio para as regiões, comunidades e empresas em todo o mundo. Se por um lado é imperativo acelerar a descarbonização rumo à neutralidade carbónica, é também urgente preparar as soluções de adaptação para os impactos esperados de um clima mais quente. A estratégia empresarial deverá contemplar a resposta a estas duas frentes em paralelo.
Artigo por Ana Luísa Martins, Sustainability and Climate Change | Manager, PwC Portugal
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Referências:
- COPERNICUS/UE. 2024. The 2023 annual climate summary. Global Climate Highlights 2023 – Disponível em: https://climate.copernicus.eu/global-climate-highlights-2023?utm_source=socialmedia&utm_medium=li&utm_id=gch23
- UNEPa, 2023. Emissions Gap Report 2023: Broken Record – Temperatures hit new highs, yet world fails to cut emissions (again). Disponível em: https://www.unep.org/resources/emissions-gap-report-2023?gclid=CjwKCAiAmZGrBhAnEiwAo9qHieSeD7cwfRu6pne7cVLlM7riEzys3OP7b8yNN-lpawTGfzpZBtf84hoCPjcQAvD_BwE
- UNDRR. 2024. Uncounted costs. Data gaps hide the true human impacts of disasters in 2023. https://www.undrr.org/explainer/uncounted-costs-of-disasters-2023
- PwC. 2023. Net Zero Economy Index 2023. Bending the curve: can climate ambition and reality still converge? Disponível em: https://www.pwc.co.uk/services/sustainability-climate-change/insights/net-zero-economy-index.html
- S&P Global 2024. Investment in climate adaptation have high returns on growth. Disponível em: https://www.spglobal.com/en/research-insights/featured/special-editorial/look-forward/investment-in-climate-adaptation-needs-have-high-returns-on-growth
- PwC. 2023. PwC’s 26th Annual Global CEO Survey. Winning today’s race while running tomorrow’s. Disponível em: https://www.pwc.com/gx/en/issues/c-suite-insights/ceo-survey-2023.html
- UNEPb, 2023. UNEP’s Adaptation Gap Report 2023: Underfinanced. Underprepared. Disponível em: https://www.unep.org/resources/adaptation-gap-report-2023
- PwC 2023. How climate adaptation can both protect and grow your business. Disponível em: https://www.pwc.com/gx/en/issues/esg/how-climate-adaptation-can-both-protect-and-grow-your-business.html?WT.mc_id=GMO-CS-NA-FY24-RFTF-SBDI10-T9-CI-ADV-ART-GMOS0004-EN-SBDI-T1#adaptation-to-climate-change